2. O juiz e a virtualização

2. O juiz e a virtualização: máquinas triviais e não triviais

A Lei 11.419/2006 trouxe o processo digital. O CPC deveria avançar para o processo virtual. A virtualização significa o alívio para os operadores jurídicos, entre os quais se encontra o magistrado.  Esse alívio suporia a eliminação do juiz do processo? O objetivo seria alcançar um processo sem juiz, conforme o sonho acalentado pela informática jurídica na década de 70?

A resposta categórica é não[18].  Norbert Wiener já reconhecera isso na década de 50.

Heinz Von Foerster, na obra Observing Systems[19], mencionada por Niklas Luhmann, diferencia máquinas triviais e não triviais. Nessa denominação, máquina é tomada “ [...] en sentido cibernético. Se trata de fórmulas matemáticas, cálculos,  reglas de transformación y no forzosamente de un artefacto eletrônico o mecânico.”[20]  Máquina é um algoritmo.
Nas máquinas triviais, um conjunto de inputs gera, sempre, os outputs correspondentes. O estado interior e momentâneo da máquina só muito raramente interfere nesse caminho de transformação (em geral, por defeito).  E os eventuais desvios podem ser rapidamente detectados pelos especialistas.
Uma máquina não trivial caracteriza-se pela impossibilidade de se saber, com certeza, os outputs que determinados inputs vão gerar. O estado momentâneo da máquina interfere diretamente na produção dos outputs esperados. Pode haver até a não produção.  “Las máquinas no triviales tienen, así, integrado un circuito por el cual se refieren a si mismas (autorreferencia)”[21].

Pode-se tomar como axioma que o Direito é um sistema autopoiético[22]. O mesmo pode ser dito do subsistema processual, funcionalmente diferenciado para os fins de aplicação da lei. São sistemas de sentido, ou sociais, no linguajar luhmanniano, equiparáveis a máquinas não triviais.  Não são sistemas técnicos, como é o caso da ferramenta processual chamada sistema eletrônico de processamento de ação judicial (SEPAJ).

Como ferramenta tecnológica para tramitar a ação, o SEPAJ pode ser equiparado ao que Foerster chamou de máquina trivial. Assim, um SEPAJ, como máquina trivial, programada, é completamente previsível. Na verdade, representa um conjunto de funções de determinadas variáveis.

No processo, os humanos (advogados, assistentes, juízes, testemunhas, peritos, partes) são os responsáveis pela introdução da não trivialidade. A cargo deles se encontra a avaliação autorreferencial, ou seja, em momentos muito especiais,  a eles incumbe fazer a medição das condições internas efetivas para fazer o próximo giro do sistema.  Também lhes incumbe a inovação das regras de transformação. Por isso que, quando se fala em máxima automação dos sistemas de processamento de ação, não se está cogitando da eliminação do juiz, como já realçado.  

É preciso entender, no entanto, que, no curso do processo, e até o momento anterior às decisões (seja de quem for, inclusive do advogado quando decide a estratégia a adotar), há uma imensidão de operações triviais das quais, hoje, incumbem-se esses mesmos operadores. Elas podem ser entregues à execução otimizada por programas/módulos (máquinas triviais) incorporados ao SEPAJ. Para isso, os algoritmos devem receber as condições para simular o que poderia ser chamado de pseudo-autorreferência, via metadados.  Na verdade, introduzem-se as condições para que o sistema “conheça” os inputs e possa promover laços operacionais característicos da automação que, embora limitados e circunscritos a aspectos parciais, aliviam sobremaneira os operadores.
Quanto mais o SEPAJ absorver as operações triviais (automatizar-se), mais eficiente se tornará no auxílio aos operadores que têm o ônus de promover os giros não triviais.
A virtualização está nesse caminho. A máquina trivial, representada pelo sistema processual, pode ser ampliada, em suas funções, para ajudar com operações que se situam depois do contato visual e que, hoje, sobrecarregam os cérebros dos operadores.